quinta-feira, 22 de março de 2012

Evangelho Segundo Ricardo Guilherme Dick ou Evangelho do Sertão por Luiz Carlos Ribeiro

imagem: google
O mundo está ficando cada vez mais pequeno. Só sobra o espaço do coração. Lá é o sertão onde se luta contra o esquecimento. O sertão é onde a gente pensa de inopinado. Sertão é onde o coração gosta em imensa solidão.
Sertão é o lugar onde Deus toca na fonte do homem e lhe diz: sinta, aqui é o coração do Sertão de tua solidão.
Chegar do sertão? Mas onde é isso que eu não compreendi direito. Ahh, eu te digo. O Sertão não se compreende, se sente. Assim como se sente saudade de uma água bebida na serra e outra bebida no vale, haja que ter o mesmo gosto, sentido e vertência, da água que cai das chuvas ou das águas que correm entre samambaias frescas, onde não pisa pé de gente? Que gosto tem a água da solidão.Que gosto tem a água do mundo? Um gosto diferente ao mesmo paladar, mas sempre a mesma água com gosto das primeiras águas.
Agora me diga, quem vai compreender o Sertão?
Olhe, o que pode representar o Sertão é um instrumento chamado berrante já ouviu falar nele, não? O sertão inteiro ressoa nele.
O sertão é onde se luta contra a civilização, mas quem preserva o sertão das espoliações, das pestes, das destruições, dos medos? Eu não sei de mim, diria que o Sertão é onde Deus se conserva mais puro, incontaminado, no seu estado mais latente de Deus.
Nas grandes cidades eles partem para estudá-lo de premissas, construídas com andaimes da torre de Babel. Deus para eles é uma construção. Para eles Deus se esconde além das nuvens e das estrelas.
 Aqui no sertão a gente parte do próprio Deus, não de suas premissas, silogismos ou andaimes de ignorância de sua imaginada construção, porque Deus não pode ter premissas, nem arcadas,  nem tábuas de logaritmos, nem a gelidez da lógica, nem bruma da metafísica, as maquinarias da tecnologia que nos Matarão com suas bombas, com suas políticas mesquinhas e corruptas...

Porque aqui no Sertão Deus sempre vem, sempre está vindo, eternamente. Aqui ninguém escapa de Deus: ele marca os homens, ele se conserva aqui, no cerne do Sertão, onde tudo é água fresca num pote no canto da sala de visitas, onde tudo é conservado com cheiro de baunilha no baú de roupas limpas no quarto de dormir.
                             ...

Onde tudo é conservado com esse cheiro imemorial que vem do quintal, das bandas do rio, da memória da infância, de séculos e séculos das moradas  dos horizontes.
Imaginem assim: de repetente Deus vem andando de muito longe em grandes passos, como esses profetas do Velho Testamento, com o cajado batendo a terra, os pés sujos de lama, as vestes cobertas de poeira, sempre chegando com esse cheiro de Deus, para nos reconhecer incognitamente e se vós perguntais: De onde vindes, Senhor?
Com certeza ele responderá: venho do sertão.


*Texto da peça: Cerimônia do Esquecimento, inspirada na obra homônima de Ricardo Guilherme Dick, escrita por Luiz Carlos Ribeiro e Lucia Palma, encenada no “foayer” do Teatro Universitário, sob  direção de Lucia Palma,  por ocasião da outorga do titulo de Doutor Honoris Causa ao saudoso poeta e escritor mato-grossense  Ricardo Guilherme Deck.


Cerimônia do Esquecimento.
Autor: Ricardo Guilherme Dick
Adaptação: Luiz Carlos Ribeiro

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