domingo, 2 de dezembro de 2012

A menina e a solidão - Falando de Amor com Mirian Marclay Melo


A menina e a solidão

Ela ainda não sabia que rumo seguir. Levantava muito cedo como se a esperança já tivesse lhe preparado o café da manhã e trouxesse uma espécie de novidade, a própria realização.
Cada gole de café ia acordando célula por célula de um corpo notívago, viajante de si em terra própria, às vezes perdia seu rumo, trocava o pés pelas mãos e sem graça de si ria, da própria desgraça.
Dizia a si mesma:
- Antes que caçoem de mim, deixe que eu gargalhe das comiserações que a vida me trás- e ria mesmo.
Não sabia o que se passava no todo. A visão individualista restava embaçada, sentia que estava dentro de um copo d’água, onde o turvo era o meio. Aquela velha teoria de que estamos todos dentro do campo de futebol, limitados ao nosso ínfimo espaço de ação.
E para se vislumbrar se ausentava de si. Deixava que seu espírito volitasse em meio ao raio de ação corpóreo, resguardando apenas aquele pequeno filamento que o trouxesse novamente a morada terrena.
Vários cafés, um copo de leite, o pseudo aceite pessoal.
Seu bom dia passou a ser em letras, nos desafios das leituras, e nas próprias intangências. Sentia que não possuía um canto, que ninguém de fato lhe pertencia e que os caminhos escolhidos, talvez, não fossem apenas uma tábua de salvação, de uma alma complexa.
Seu mundo eram aqueles livros ainda não lidos. O esquecimento de uma estante onde pudesse fazer de versos seu universo. Primava pelo conhecimento, aquela mulher em alma de menina ainda, uma sede de encontrar em algum lugar não o resumo nem a síntese profética para seguir a trilha.
Era com a solidão das suas inquietações o momento em que revolvia tudo e talvez concretizasse algo.
A solidão quando a tomou pela mão em tenra idade disse:
- Você é assim mesmo, a necessidade de estar comigo, em silêncio, mas por vezes permitirei que seja, um pouco, o que o quiser ser, um tanto de alegria, de festa, de seresta, o carinho para com os seus e as canções que te embalam.
A menina assim respondeu:
-Combinado Solidão, vou transitar em mim, nas minhas possibilidades, mas prometo não te deixar, sinto, mesmo sem saber a razão, que eu e você, nos completamos.
E há muito tempo tomam seu café juntas, a menina e a solidão. Em pleno respeito e entendimento das delimitações e limitações de cada uma elas vão construindo suas próprias teias, suas instantâneas moradas. Enlaçadas entre si pela ternura compreendem-se. E há paz, pois a paz é aceitação de si.
Há também felicidade, vez que ser feliz pode ser tanto um estado de ser da alma, de modo perene, quanto aquele instante mágico, em que se fez perfeito pelo entendimento de se estar só.
Por vezes, a menina e a solidão correm lado a lado em campos de girassóis, no amarelo da vida em que pequenas gotículas de suor orvalham a pele. Por outras, a menina vai ao campo interno de suas rosas, perfuma-se e volta outra. Conserva apenas a essência, o sabor do doce de leite dos tempos em que corria de bicicleta pela fazenda atrás do vento. Defere a si o direito de resgatar a inocência perdida.
Por outras o campo lírico torna-se urbano, no concreto das enormes torres, dos parques em meio ao metal. Mas o prazer e a descoberta são muito parecidos.
- Interação é o agora – diz a solidão.
- E conexão minha amiga? Penso que conexão á a interação realística- responde a menina.
E essa troca filosófica rende riso e lágrimas, paz e guerra. Todos estes elementos que são pressupostos a transformação. Em longas caminhadas, essas duas figuras, a mulher que é, assim como a que quer ser, seguem ao som de suas letras e melodias.
Da batida acelerada do coração que pulsa, expulsa, toma o pulso, e se perpetua em sonhos e mais sonhos.
É neste sentir que a solidão ampara a pequena menina e ri consigo mesma das mazelas da vida, de uma vida que não é boa nem ruim, olham uma para outra e depois para o nada, que desde sempre as percorre, em ambigüidade do vácuo, sentem uma fusão de si com o espaço tempo que percorre.
Mas naquela tarde a solidão e a menina resolveram fazer algo diferente. Sentaram, e juntas, reescreveram a vida. Em plena desconstrução dialética foram repensando tudo, além do doce ou da amargura, além das mundanas sensações.
Sublimaram o sentir no limbo onde permanecem em devaneio. Recolheram os vidros quebrados das batalhas internas e resolveram vivenciar as multipolaridades, e, assim, quem sabe em alguma esquina existencial dispensar a saudade e viver o exato minuto que as permeia- o tempo presente.
Não sei qual foi o resultado disso, não me contaram, mas sei que restam tentando chegar a algum lugar de si mesmas, onde cada qual não precise pedir desculpas nem licença para se ser quem realmente se é.
Por: Mirian Marclay Melo

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