Liu Arruda - imagem: http://espiaailiuarruda.blogspot.com/ |
O linguajar cuiabano é digoreste
Com o passar dos anos, diferentes culturas vieram para a capital mato-grossense junto com seus emigrantes de outros Estados e uma delas é o linguajar, que aos poucos vem se misturando com o de Cuiabá.
Siminino, Nhá cá chás criança, tchapa e cruz, vôte, demás de quente são algumas das poucas palavras que até hoje escutamos pelas ruas de Cuiabá, independente se seja na região central ou ribeirinha da cidade.
Segundo Móises Martins, o linguajar cuiabano está quase que desaparecido, mas ele prefere dizer que está modificado.
Essa modificação no modo do cuiabano falar, se deve mais precisamente pelo processo migratório que a capital sofreu com a vinda dos paulistas, gaúchos, paranaenses, nordestinos, capixabas entre outros. “A migração ocorreu devido ao verdadeiro ‘El Dourado’ divulgado que era Mato Grosso”, explica Móises.
Motivos
Móises Martins também diz que há dois momentos que ajudaram para o fato de Cuiabá estar perdendo o seu modo de falar. Um deles é a enchente que ocorreu em 1974 e o outro é o processo de expansão da cidade. “Cuiabá é o refulgir de dois momentos. Primeiro a enchente de 1974 quando a cidade era totalmente ribeirinha, onde estava o reduto da cultura da capital. Com isso os ribeirinhos se expandiram pela cidade formando novos bairros. O segundo momento é quando Cuiabá passou pelo processo de expansão urbana, no qual o único bairro planejado foi o do CPA.”, diz.
Cidade modificada
Cuiabá antigamente tinha características coloniais que ajudavam a manter viva sua cultura e linguajar. Conforme o passar dos anos, a cidade foi se transformando, prédios foram surgindo e casarões foram sendo derrubados.
“Outro olhar sobre a cidade foi um fator que levou à modificação do nosso linguajar cuiabano. Hoje não se sabe distinguir se Cuiabá ainda é uma cidade colonial ou uma cidade moderna. Podemos ver prédios de vinte andares sem garagem, por exemplo, não ter garagem é coisa de antigamente”, conta Móises que ainda lembra o surgimento das Universidades que cada vez mais trazem estudantes de fora.
Revendo e Reciclando a cultura cuiabana
Móises Martins, para trazer de volta a história de Cuiabá, lançou em 2006 a segunda edição do seu livro “Revendo e Reciclando a cultura cuiabana”, onde aborda diversos temas sobre a cidade como a criação, o porquê do nome, divisão do Estado e um amplo glossário de aproximadamente mil palavras do linguajar cuiabano.
Mas a quem acredite que esteja mais vivo do que nunca
Para Pedro Rocha Jucá, autor do livro virtual "Da linguagem cuiabana", o linguajar cuiabano está mais vivo do que nunca. “Vejo o linguajar por outro ângulo. Ele está mais vivo do que se pensa. Durante o seu processamento, ao longo de séculos, ninguém percebeu que se construía uma linguagem própria, que ficou cristalizada no passado, na sua origem”.
Ele ainda diz que “quando houve o confronto mais próximo e mais amplo com o português culto, alguns preferiram não usar a linguagem ‘carregada’ do cotidiano. Depois, veio a expressão mais forte do costume, uma espécie de afirmação como identidade histórica de um povo que aprendeu a viver sozinho no isolamento geográfico”.
Segundo Pedro o linguajar cuiabano ou linguagem cuiabana, como prefere dizer, continua tendo forças e cada vez maior, pois diz que nos últimos trinta anos foi alvo de pesquisa e estudos que mostram a sua importância para a língua portuguesa. “Os Lusíadas, de Camões, estava nas bibliotecas particulares de Cuiabá e foram encontrados rabiscos dele em paredes, com uma manifestação de saudades das raízes portuguesas. A linguagem cuiabana nunca deve ser motivo para críticas, pois quem a ouve hoje é um privilegiado, sentindo a manifestação de séculos e da soma de ricos valores dos portugueses, dos índios e dos negros”.
Da linguagem cuiabana
Nascido em Crato, no Cariri berço do povoamento da Capitania do Ceará que foi criado antes mesmo da Capitania do Mato Grosso, Pedro Rocha Jucá acaba de concluir seu livro virtual sobre o linguajar cuiabano. Ele diz que as origens do modo que se fala aqui e em sua terra natal são semelhantes. “Nas minhas pesquisas, encontrei um alto índice de palavras semelhantes ainda em uso nos atuais Estados. Mas aqui em Mato Grosso, o isolamento geográfico produziu uma riqueza tão valiosa quanto ao ouro, ao diamante, às pedras preciosas: uma linguagem que desafia os séculos. As minas se esgotam, mas a riqueza cultural de um povo é enriquecida de geração em geração. Com o livro ‘Da linguagem cuiabana’ destaco tudo isto e fico feliz em participar desse processo, que ainda continua”.
Você já ouviu falar em Jururú ou em digoreste? Não? Então confira algumas palavras do linguajar cuiabano pinçadas do Dicionário Cuiabanês, de William Gomes:
- Abana mão - Ato de saudar, cumprimentar. Ex: “Político em época de eleição abana mão toda hora”
- Ah! Um - Expressão que indica indignação, concordância ou não. É aplicada dependendo da situação, a entonação da voz muda. Ex: “Ah! Um. Pára cô isso”
- Aguacero – Bastante água, poças de água. Ex: “Não deu prá ir lá, tava o maior aguacero na estrada”
- Apanhô prá bestera – Apanhou muito. Ex: “Ela apanhô prá bestera do marido”
- Arroz-de-festa - Denominação de quem não perde nenhuma festa. Está sempre em festa. Ex: “Arroz de festa é quem não sai da festa”
- Atarracado(a) – Abraçado, juntos. Ex: “Os dois tão atarracado ali no escuro”
- Até na orêia – Repleto, cheio, demais. Ex: “Zé Bico comeu tanto peixe, que tá até na orêia”
- Bejô, bejô, quem não bejô, não beja mais – Acabou, terminou. Ex: “Acabou o baile, bejô, bejô, quem não bejô, não beja mais”
- Berrano – Gritando. Ex: “Tomô um murro e saiu berrano”
- Bocó de fivela – Pessoa boba, burra, ignorante. Ex: “Por mais que ocê explica, ela não entende, é uma bocó de fivela”
- Bom demás – Muito bom. Ex: “Lá tá bom demás”
- Bonito prô cê – Expressão que indica quando a atitude tomada, não foi boa. Ex: “Chegô em casa bêbado, bonito prô cê”
- Catcho – Namoro, paquera, amante. Ex: “Aquele cara tá de catcho cô Maria”
- Canháem – Latido de cachorro. Expressão usada para discordar. “Você namora Maria Taquara? Canháem”
- Caínha - Quem não dá nada prá ninguém. Sempre nega. Ex: Deixa de ser caínha, dá um pedaço de pão”
- Catchorro – Expressão de espanto de negação. Ele ficô atrás docê. Catchorro!Aqui não, sou muito home”
- Cêpo – Bom, ótimo. Ex: “O atlético Mato-Grossense era um cêpo de time”
- Coloiado(a) – Junto, próximo em grupo. Ex: “Saldanha Derzi tá coloiado cô Garcia Neto”
- Cordero(a) – Denominação de quem gosta de dar corda nas pessoas. Ex: “Não vai no papo dele, ele é cordero”
- Coxá – Relação sexual. Ex: “Os dois foram coxá”
- Constipação – Gripe. Ex: “Dona Mica pegô constipação”
- Chá por Deus - Expressão de espanto, admiração, dúvida. Ex: Chá por Deus, esse caminhão, não sobe a serra de São Vicente”
- Chuça e Rebuça – Baile. Ex: “Na guarita vai tê hoje uma chuça e rebuça”
- De jápa – Grátis, o que vem a mais. Ex: Quando se compra uma dúzia de bananas, e recebe treze unidades. “Esse adicional é a jápa”
- Demás – Expressão usada para discordar. Ex: “Cuidado. O guarda vai dá nocê. Vai, demás”
- Digoreste – Ótimo, bom, exímio. Ex: “O guri é digoreste pá pega manga”
- Ê ah! - Indagação. Ex: “Ele vem mesmo aqui? Ê ah!”
- Espia lá – Olha lá, veja. Ex: “Espia lá capim já vem”
- Espinhela caída – Dor, problema na coluna vertebral .Ex: “Foi benzê da espinhela caída”
- Futxicaiada – Muito fuxico. Excesso Excesso de mixirico. Ex: “O ambiente ali não tá bom, é só futxicaiada”
- Festá – Festar, participar de festa. Ex: “Tchô Nego da Cruz foi festá”
- Foló – Folgado, largo. Ex: “Maciel usa calça foló”
- Garrô – Pegou, começou, realizou. Ex: “Ele garrô cedo no trabaio”
- Grocotchó – Pessoa mole, doente, desanimado. Ex: “Tchico tá grocotchó”
- Jacá – Cesto de palha ou taquara para guardar peixe na beira do rio e manter vivo. Ex: “Era só pegá o peixe, colocava no jacá, depois tinha sempre fresco”
- Jururú – Triste, quieto. Ex: Padre Luiz Ghisoni tá jururú na porta da igreja de Várzea Grande”
- Leva-e-tráz - fofoqueiro. Ex: “Kitú é um grande leva-e-tráz”
- Levo os córno – complicou tudo. Ex: “Agora sim, levo os córno, o dinheiro acabou”
- Lonjura – Longe, muito distante. Ex: “Nessa lonjura não dá pá ir a pé”
- Malemá – Mais ou menos. Ex: “E aí cumpadre como vai?Vou aqui malemá”
- Mujica - Prato da região, feito de peixe, liso, muqueca. Ex: “Peixada, sem mujica de pintado, não tem graça”
- Mea orêa – Minha orelha. Expressão usada para indicar quem está sem lado, sem falar o nome da pessoa. Ex: “Mea orêa aqui, tá pá morre de fome”
- Micaje – Ato de fazer imitação de alguém, fazer caretas. Ex: “Ela faz micaje de todo mundo que passa por aqui”
- Moage - Frescura. Ex: “Você não quer ir com a gente? Larga de moage!”
- Na xinxa – Levar uma ação com seriedade. Ex: “Professora leva a turma na txintxa”
- Não tá nem aí pá paçoca – Não liga para nada. Não quer saber das conseqüências. Ex: Tchá Bina, não tá nem aí pá paçoca”
- Nariz furado – Veio na vontade, veio na certeza. Ex: “Chegou de nariz furado, certo que iria ganhar na conversa”
- Negatófi – Não, nunca. Ex: “Negatófi, hoje não tem televisão”
- O quá – Duvidar, não acreditar. “Ele vem aqui? O quá!”
- Oreia – Pessoa burra. Ex: “Não adianta explicar, ela é oreia”
- Pá terra - cair. Ex: “Ele vinha correndo, e pá terra!”
- Prá besteira – Bastante, muito, em excesso. Ex: “No saladero tem pacú prá besteira”
- Pranchei de banda – Sai, escapei, tô fora. Ex: “Pranchei de banda, não vou na rua da Lama no Porto”
- Podre de chique – Bonito, elegante, bem vestido. Ex: “Jejé tá podre de chique”
- Pongó – Bobo, tolo, idiota. Ex: “Gente Pongó não serve”
- Por essa luz que me lomea – Pra dizer que está falando sério, que não está mentindo. Ex: “Por essa luz que me lomea, eu vi uma assombração no Terceiro de Dentro”
- Quinco – Denominação carinhosa de Joaquim. Ex: “Quinco Lobo era vereador em Cuiabá.”
- Que, que esse? – O que é isso. Ex: “Que, que esse? Como você apareceu aqui?”
- Quá! – Expressão de espanto, indignação. Ex: “Quá! Pode esquecer ele não volta mais.”
- Quebra-torto – Comer no desjejum comida reforçada como carne com arroz farofa, etc... Ex: “No sítio de manhã, sem quebra-torto é impossível.”
- Quarta-feira – Pessoa boba, idiota. Ex: “O rapaz é quarta-feira.”
- Rapelô – Levou tudo, ganhou tudo. Ex: “O cara rapelô o dinheiro que ele tinha.”
- Rufa – Bater. Ex: “Se aparecer aqui , o povo rufa ele.”
- Refestelá – Sorrir, rir. Ex: “Nico Padero é bom prá refestelá.”
- Ribuça – Cobrir o corpo com lençol ou cobertor. “Tá esfriando, rebuça menino.”
- Rino na chá cara – Rindo na presença de alguém. Ex: “Ocê fala, ele fica rino na chá do cara”
- Sartei de banda – Tô fora, não concordo, não quero mais. Ex: “Não tô namorando, sartei de banda”
- Sucedeu – Aconteceu. Ex: “Quando sucedeu isso?”
- Sujo que tá – Imagem ruim, conceito ruim. Ex: “Ele sujo que tá, não pode participar da diretoria”
- Tá de tchico – Está menstruada. Ex: “Hoje ela não pode tá de tchico”
- Tá té no chifre – Embriagado, bêbado. Ex: “Farpelo tá no Quindú, tá té no chifre.”
- Tchá mãe – Expressão características para xingar alguém . Ex: “Tchá mãe, rapaz, vá tomá na tampa.”
- Toma, corno(a) – Expressão usada quando alguma coisa não acontece de forma correta. Ex: “Toma, corno . Marimbondo pegô na cara dele.”
- Verdolengo(a) – Fruta que está quase madura. Ex: “Ela só come goiaba verdolenga.”
- Verte água – Urinar. “Vidona foi verte água.”
- Vai tomá na peidera – Vai se lascar. Ex: Se qué sabe duma? Vai tomá na peidera.”
- Vôte! – Deus me livre. Expressão de medo e espanto. Ex: “Vôte! Sai daqui capeta, aplica pra tudo.”
- Xispada – Mandar embora, não deixar alguém num certo local. Ex: “ Não ficou ninguém, deram uma xispada na turma.”
- Xô Mano - cumprimento a um amigo, pessoa. Ex:“E aí, xô mano! Tudo jóia?”
Fonte:Viviane Petroli/William Gomes
Oie Rosylene , Parabéns pela materia , fiquei encantada e li e reli, como cuiabana que sou, mto dos termos usados vejo até hj,as vezes usado com deboche,mas o importante , acho que realmente o linguajar cuiabano sobreviveu, bjus linda mto boa a matéria e esta de Parabéns.
ResponderExcluirObrigada Ivana, eu também tenho orgulho de ser cuiabana, e adoro o nosso linguajar, bjos!!
ResponderExcluireu também tenho orgulho de ser cuiabana , afinal ela é boa com as palavras ...
ResponderExcluirEXISTE UMA VERSÃO IMPRESSA??????? UM LIVRINHO? Seria interessante, para dar de presente.
ResponderExcluirMuito bom! Seu link já está adicionado na postagem do blog http://jucaescritor.blogspot.com.br/2015/11/dicionario-cuiabano-ou-cuiabanes.html.
ResponderExcluirhttp://contosbiblicos.com/
Paz, felicidade, flores e muitas postagens legais.
Obrigada José Guimarães
ExcluirNão pude deixar de comentar e prestigiar esse belo linguajar cuiabano! Parabéns pelo post, e por matar um pouquinho da minha curiosidade, dessa cultura tão pouco vista.
ResponderExcluirRealmente encantado! :)