Fernando Pessoa - imagem google |
1) Toda a
arte se baseia na sensibilidade, e essencialmente na sensibilidade.
2) A sensibilidade é pessoal e intransmissível.
2) A sensibilidade é pessoal e intransmissível.
3) Para se transmitir a outrem o que sentimos, e é isso
que na arte buscamos fazer, temos que decompor a sensação, rejeitando nela o
que é puramente pessoal, aproveitando nela o que, sem deixar de ser individual,
é todavia susceptível de generalidade, portanto, compreensível, não direi já
pela inteligência, mas ao menos pela sensibilidade dos outros.
4) Este trabalho intelectual tem dois tempos:
a) a intelectualização directa e instintiva da sensibilidade, pela qual ela se converte em transmissível (é isto que vulgarmente se chama "inspiração", quer dizer, o encontrar por instinto as frases e os ritmos que reduzam a sensação à frase intelectual (prim. versão: tirem da sensação o que não pode ser sensível aos outros e ao mesmo tempo, para compensar, reforçam o que lhes pode ser sensível);
b) a reflexão crítica sobre essa intelectualização, que sujeita o produto artístico elaborado pela "inspiração" a um processo inteiramente objectivo — construção, ou ordem lógica, ou simplesmente conceito de escola ou corrente.
a) a intelectualização directa e instintiva da sensibilidade, pela qual ela se converte em transmissível (é isto que vulgarmente se chama "inspiração", quer dizer, o encontrar por instinto as frases e os ritmos que reduzam a sensação à frase intelectual (prim. versão: tirem da sensação o que não pode ser sensível aos outros e ao mesmo tempo, para compensar, reforçam o que lhes pode ser sensível);
b) a reflexão crítica sobre essa intelectualização, que sujeita o produto artístico elaborado pela "inspiração" a um processo inteiramente objectivo — construção, ou ordem lógica, ou simplesmente conceito de escola ou corrente.
5) Não há arte intelectual, a não ser, é claro, a arte de
raciocinar. Simplesmente, do trabalho de intelectualização, em cuja operação
consiste a obra de arte como coisa, não só pensada, mas feita, resultam dois
tipos de artista:
a) o inspirado ou espontâneo, em quem o reflexo crítico é
fraco ou nulo, o que não quer dizer nada quanto ao valor da obra;
b) o
reflexivo e crítico, que elabora, por necessidade orgânica, o já elaborado.
Dir-lhe-ei, e estou certo que concordará comigo, que nada
há mais raro neste mundo que um artista espontâneo — isto é, um homem que
intelectualiza a sua sensibilidade só o bastante para ela ser aceitável pela
sensibilidade alheia; que não critica o que faz, que não submete o que faz a um
conceito exterior de escola ou de moda, ou de "maneira", não de ser,
mas de "dever ser".
Fernando Pessoa, in 'Carta a Miguel Torga, 1930'
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